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25/03/2019 - ´Estou numa guerra que não tem volta´, diz Caffarelli

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VALOR 

Por Flávia Furlan e Talita Moreira
 

À frente da credenciadora de cartões Cielo desde novembro, o executivo Paulo Caffarelli, egresso do Banco do Brasil (BB), está mudando a lógica do negócio: antes focada nos grandes varejistas e na manutenção das margens, a empresa vai brigar também por pequenos empreendedores e para recuperar participação de mercado. No fim do processo, os clientes de maior porte vão responder por 35% do volume de transações, não mais por 65%, invertendo a pirâmide que sustenta a empresa hoje.

"Os entrantes estão ganhando espaço. Levamos alguns gols nesse jogo", diz Caffarelli, em entrevista concedida ao Valor no escritório da credenciadora, em São Paulo. "Por isso, a empresa está se reinventando para ser competitiva."

Novas companhias têm acirrado a concorrência no mercado de credenciamento de cartões, que permite aos varejistas receber pagamentos. Antes centrado na Cielo, do Banco do Brasil e do Bradesco, e na Rede, do Itaú Unibanco, esse mercado tem agora mais de 20 concorrentes, segundo o Banco Central. Entre eles, estão a independente Stone e a PagSeguro, do Grupo UOL, que levantaram bilhões de dólares em bem-sucedidos IPOs nos Estados Unidos e são hoje as grandes pedras no sapato das veteranas.

A Cielo foi bastante atingida nesse processo. Considerando apenas as seis principais credenciadoras do país, a companhia estima que sua fatia no mercado, medida em volume de transações, caiu de 48,4% em 2016 para 40,3% em 2018 - ainda a líder, mas de longe a que mais perdeu espaço. Segunda colocada, a Rede declinou 2,6 pontos, para 31,1%.

Em resposta a esse processo, a Cielo decidiu atuar mais fortemente no segmento dos empreendedores, como, por exemplo manicures e ambulantes, clientes para os quais suas "maquininhas" não chegavam no passado. O motivo era o modelo de aluguel dos equipamentos, que pesava no bolso desse segmento. Esse público, que representa 30% da população brasileira, movimenta R$ 1 trilhão em renda própria por ano e está em grande parte na informalidade. "Vamos para cima dos concorrentes no segmento de empreendedores", afirma Caffarelli.

No segmento, a grande rival é a PagSeguro, que desbravou esse público e lançou o conceito de venda de maquininhas. A credenciadora controlada pelo UOL tem perto de 7% do mercado total e 80% entre os empreendedores. A Cielo, que tem 9% desse público, quer chegar a 20% em três anos.

Entre os empreendedores, a briga se dá por meio de uma "guerra de preços" comunicada em expressivas campanhas de marketing, duas frentes que a Cielo deve reforçar. Para alcançar esses clientes, a empresa vai além do canal bancário, que tem sido sua grande força de venda, com 10 mil agências de BB e Bradesco à disposição.

A companhia vai reforçar a aposta nas vendas pela internet, além dos "hunters", um grupo de mil funcionários contratados para circular pelas ruas e oferecer os aparelhos. A ideia é usar as marcas Cielo e Stelo, empresa que se tornou 100% subsidiária da credenciadora em 2018 e que já vendeu 600 mil maquininhas.

No segmento de pequenas e médias empresas, disputado por rivais como Stone e Safra Pay, Caffarelli reconhece que a Cielo precisa melhorar o atendimento. Para isso, a satisfação do cliente passou a ter peso de 30% na remuneração variável dos funcionários, contra 5% anteriormente. O mais importante, neste caso, é o cliente não ficar desassistido, uma vez que muitos deles dependem, em 90% dos terminais, do serviço de uma mesma credenciadora. "Alguns entrantes estão vindo com a bandeira do bom atendimento. Se eu tiver um bom atendimento, derrubo a estratégia do concorrente", diz.

O atendimento tem sido o mote da Stone, que montou "hubs" com funcionários para chegar com rapidez aos clientes, inclusive usando bicicletas. Na última divulgação de resultados, a empresa deixou claro que vai agregar serviços como crédito e software de gestão a varejistas, o que pode fazê-la desacelerar na guerra de preços.

Caffarelli, no entanto, acredita que a guerra ainda vai durar "mais um tempinho" e afirma estar disposto a agir de forma dura para estancar a perda de participação da Cielo. "Estou numa guerra que não tem volta. Se parar, eu morro", diz. "Esse é um jogo para bruto e vai ganhar quem for bruto."

O executivo já deu essa sinalização ao mercado - e foi bem recebido. Em janeiro, anunciou que o lucro da Cielo deve recuar até 30% neste ano, para algo entre R$ 2,3 bilhões e R$ 2,6 bilhões, porque vai priorizar o "market share".

Caffarelli é enfático sobre até onde pode ir na guerra de preços. "Não somos nós que vamos definir o limite, é o mercado. Temos margem para fazer as coisas."

A estratégia implica também um maior grau de independência em relação aos controladores, embora eles tenham grande sinergia para a Cielo. "Você tem de ter no mínimo produtos iguais aos do mercado, mas tem de ter produtos que o mercado não tenha", afirma.

A mudança de posicionamento da Cielo vem acompanhada de uma reestruturação interna. A empresa foi separada em três áreas de negócios: grandes empresas (acima de R$ 13 milhões de faturamento ao ano), varejo (de R$ 120 mil a R$ 13 milhões) e empreendedores (até R$ 120 mil). Cada uma terá uma área de atendimento própria. As duas primeiras estão com Renata Greco, enquanto a terceira está com Mario Casasanta.

Dois vice-presidentes acabam de ser contratados: Edison Kinoshita (operações) e Gustavo Sousa (financeiro). Há um processo seletivo em curso para a vice-presidência de varejo. A empresa também terá novo diretor de marketing, cargo que passará a ser estatutário e responderá diretamente a Caffarelli.

Os grandes varejistas continuarão a ser atendidos, mas de forma diferente. Como as margens costumam ser menores nessa faixa de clientes, o foco vai ser em agregar serviços. Segundo o Valor apurou, a Cielo tem, por exemplo, um produto que permite ao varejista acompanhar o consumo do cliente em seus concorrentes, para assim poder abordá-lo da melhor forma.

"O mix de clientes definitivamente não pode ser 65% de grandes empresas e 35% de pequenas e médias empresas e empreendedores, precisamos inverter essa pirâmide", diz Caffarelli. "Não significa que vamos abrir mão dos clientes corporate, mas que é preciso ter uma base maior dos demais."

Para além da guerra de preços, o futuro do mercado, segundo Caffarelli, está baseado no fato de que apenas 35% do consumo no Brasil é feito com cartões - metade do patamar de países desenvolvidos. Há, portanto, espaço para avanço.

Por outro lado, o executivo reconhece que pagamentos com celulares, carteiras digitais e QR Code podem tirar espaço das maquininhas, que representam 25% da receita. A saída, diz, é ampliar a oferta de serviços aos clientes. Ainda assim, Caffarelli defende que a Cielo se mant enha fiel à origem. "Vou continuar sendo reconhecido como credenciador."

 

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