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24/04/2018 - Cielo: a hora do contraataque

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ISTOÉ DINHEIRO

Por: Cláudio Gradilone


O presidente da Cielo, Eduardo Gouveia, gosta de presentear sua mulher com flores. Morador do Campo Belo, zona sul de São Paulo, 52 anos e pai de duas filhas adultas, por praticidade ele se serve de um florista ambulante. O comerciante estaciona seu veículo perto da casa de Gouveia e, para sua felicidade, usa uma maquininha da Cielo. Como o florista, milhões de pequenos empreendedores, muitos trabalhando na informalidade, estão na mira da companhia. “Esse segmento de mercado é o mais promissor”, diz Gouveia.

Para disputar espaço nesse segmento com o PagSeguro, empresa do grupo Folha que foi a primeira a mirar no pequeno varejo e no mercado informal, Gouveia se prepara para alterar a estratégia da Cielo. Alguns dos passos representam uma ruptura com o passado. Até o fim deste ano, a empresa vai lançar um concorrente direto para a Moderninha, principal produto do PagSeguro. Por meio da processadora de pagamentos Stello, adquirida em janeiro, a Cielo vai colocar no mercado uma máquina que será vendida e não alugada. Produtos e sistemas estão prontos, aguardando apenas a autorização do Banco Central (BC).

O potencial desse mercado é enorme. Segundo dados do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), há 7,1 milhões de microempreendedores individuais e 3,9 milhões de micro e pequenas empresas em atividade no País. Como se dedica a eles, o PagSeguro caiu nas graças dos investidores. Apesar da diferença de porte com a Cielo, o valor de mercado do PagSeguro é comparável ao da empresa mais antiga. No ano passado, o PagSeguro faturou R$ 2,5 bilhões, ante R$ 11,6 bilhões da Cielo. Mesmo assim, na quinta-feira 19, o PagSeguro, que captou US$ 2,3 bilhões ao listar suas ações na Bolsa de Nova York em janeiro, valia R$ 40,4 bilhões ante R$ 50,9 bilhões da Cielo. Desde o lançamento de suas ações, o PagSeguro se valorizou 76%. Nesse período, os papéis da Cielo caíram 30% e seu valor de mercado encolheu quase R$ 20 bilhões.

Para reverter essa tendência e não competir apenas no preço, Gouveia, que preside a Cielo desde outubro de 2016, está apostando também em duas outras frentes. Uma delas é a tecnologia. O lançamento mais recente é a Lio, um terminal mais sofisticado do que as maquininhas existentes. Além de processar pagamentos, a nova maquininha permitirá a instalação de aplicativos para facilitar a gestão do negócio do comerciante. “Nós observamos que o varejista tem cada vez menos espaço para dedicar a atividades operacionais, então a Lio resolve muitos problemas”, diz Gouveia. “Os apps facilitam a administração do estoque e do caixa.” (leia a entrevista ao final da reportagem). Outra novidade é a Zip, uma maquininha mais simples e barata, voltada para o pequeno varejo, mas que será alugada, e não vendida, como a do PagSeguro.

O desafio à frente de Gouveia não é trivial. A concorrência está cada vez mais acirrada. Novos participantes, como fintechs de pagamentos e as chamadas subadquirentes, lançam soluções mais simples e baratas. O foco são os segmentos do varejo onde as margens são estreitas, mais sensíveis a custo. Participantes “tradicionais” do mercado, como a Rede, ligada ao Itaú Unibanco, e a GetNet, controlada pelo Santander, vêm elevando sua pressão desde a quebra da exclusividade, definida pelo BC em maio do ano passado. Não bastasse isso, o PagSeguro dá sinais que pode partir para cima do mercado cativo da Cielo, o dos grandes clientes. Em março deste ano, conforme anunciado em primeira mão pela coluna MOEDA FORTE, de Carlos Sambrana, a empresa contratou Rômulo Dias, ex-presidente da Cielo.

No mercado, acredita-se que o executivo usará sua experiência para avançar no território da Cielo. Há ainda uma intensa pressão do BC para aumentar a concorrência. A mudança mais recente foi divulgada na quinta-feira 19. Em uma entrevista ao Valor Econômico, Reinaldo Le Grazie, diretor de Política Monetária do BC, informou que a autarquia vai estimular o desenvolvimento de um sistema de pagamentos instantâneo. O impacto promete ser intenso. “A melhor maneira de explicar é fazer uma comparação com o que ocorre nos bancos”, diz Paulo Kulikovsky, presidente da emissora de cartões pré-pagos Acesso. “O pagamento com cartão vai ficar parecido com uma TED, em que os recursos entram imediatamente na conta de que recebeu a transação.”

Do ponto de vista do usuário de um cartão de débito, diz Kulikovsky, não haverá mudanças perceptíveis. Porém, ela vai provocar muitas mudanças na estrutura de pagamentos. Empresas de adquirência, como a Cielo, não são bancos, mas funcionam de maneira parecida. Ao vender, o comerciante pode ter de esperar até 45 dias para que o produto da transação seja creditado em sua conta. Se precisar do dinheiro antes – e todos precisam – ele pode antecipar o crédito, pagando juros. No caso da Cielo, diz Gouveia, as receitas de antecipação representam 20% do faturamento. Em empresas que atuam com clientes de menor porte, essas receitas podem chegar a 50%. Essa será uma de várias mudanças que vêm afetando o negócio de pagamentos.

Os desafios são amplos, mas quem conhece o mercado está otimista. Segundo Shin Lai, analista e estrategista de investimentos da casa de análise independente Upside, a Cielo tende a reagir. “Ela é uma empresa grande, será difícil deslocar sua fatia de mercado de maneira significativa”, diz o analista. “O mercado é grande e ainda há muito espaço para crescer.” Gouveia assina embaixo. Na prática, a ofensiva do PagSeguro aumentou o mercado como um todo em vez de roubar fatias da Cielo, diz ele. “Na nossa estimativa, 90% dos clientes do PagSeguro não aceitavam pagamentos com cartão antes”, diz. “O Brasil ainda aceita poucos cartões, há bastante espaço para crescer.”


Foto: Gabriel Reis

 

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