Museu do Cartão de Crédito

18/09/2017 - O que era improvável no setor de cartões deu certo

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EXAME

Por: Patrícia Valle 

 

Até alguns anos atrás, poucos setores eram tão hostis ao surgimento de novas empresas quanto o de cartões. O mercado de processamento de operações com cartões é dominado por duas- gigantes, que, por sua vez, são controladas pelos maiores bancos do país. A Cielo, cujos maiores acionistas são Bradesco e Banco do Brasil, é a líder. A Rede, do Itaú, vem em segundo lugar. Ambas têm margens de lucro elevadas, superiores a 30% ao ano.

Suas maquininhas estão espalhadas pelas principais lojas do país, e as duas empresas têm capital de sobra para investir em marketing e novas tecnologias — e, se for o caso, derrubar preços para ganhar clientes. Para completar, até 2010 havia uma reserva de mercado: os cartões da bandeira Visa só podiam ser usados nas maquininhas da Cielo; os da Mastercard, nas da Rede. Montar um negócio do zero para concorrer com essas companhias parecia loucura — mas foi exatamente isso que uma empresa de internet, o UOL, decidiu fazer. Em 2007, lançou a processadora PagSeguro, que tinha tudo para dar errado, mas deu certo.

O modelo de negócios da Cielo e da Rede é, essencialmente, voltado para grandes empresas, que pagam um aluguel mensal para ter as maquininhas de cartões em suas lojas e uma taxa variável sobre cada venda. Mas esse sistema acaba custando caro demais para muitos pequenos empresários e trabalhadores autônomos. Pagar um aluguel mensal pode não compensar para quem recebe boa parte dos pagamentos em dinheiro, como taxistas e donos de food truck. “Sabíamos que tínhamos de chegar a esses clientes para continuar crescendo, só não sabíamos como fazer isso”, diz um executivo do setor de cartões.

Fundada como uma processadora de pagamentos online, a PagSeguro criou um modelo em 2013: em vez de aluguel, os clientes compram a maquininha (que custa de 118 a 838 reais, e o valor pode ser parcelado) e pagam uma taxa por venda. Com o custo fixo menor para os pequenos clientes (já que não pagam aluguel), a maquininha colou. A empresa também vende cartões pré-pagos que podem ser usados para fazer e receber pagamentos por quem não tem conta em banco.

Com isso e pesados investimentos em marketing, a empresa conseguiu cerca de 500 000 clientes (além de 250 000 no segmento online), segundo estimativas da consultoria Boanerges, especializada no setor de cartões (a PagSeguro não divulga números nem deu entrevista). Analistas acreditam que ela fature menos de um décimo da Cielo, cujas receitas alcançaram 12 bilhões de reais em 2016, mas o potencial de crescimento levou a PagSeguro a se preparar para abrir o capital — de acordo com executivos do mercado financeiro, o banco Goldman Sachs foi contratado para assessorá-la.

Uma pesquisa do banco UBS, que ouviu 505 varejistas de 2015 a 2017, mostra que mais empresários estão usando a Moderninha, nome do principal serviço da PagSeguro: o percentual passou de 1% para 5% nesse período, a maior expansão entre as empresas pesquisadas. “Não vemos a PagSeguro roubando espaço da Cielo e da Rede, mas desbravando um novo mercado em que o principal concorrente é o pagamento em dinheiro”, diz Frederic de Mariz, diretor executivo de análise de empresas financeiras do UBS.

 

Mais concorrência

Diante do novo cenário, os concorrentes resolveram se mexer. Cielo e Rede passaram a vender um pacote com um valor fixo mensal, que cobre os custos da maquininha e das taxas de transação e oferece sistemas de controle de recebimentos. O Santander, dono da processadora Getnet, lançou a máquina Vermelhinha, que pode ser usada por profissionais liberais (a tradicional só pode ser utilizada por empresas com CNPJ).

Os clientes da Vermelhinha pagam uma mensalidade menor, mas a taxa por transação é maior do que a dos usuários da Getnet, e têm acesso a serviços financeiros, como antecipação de recebíveis. A startup Stone, que foi fundada em 2014 e comprou em 2016 a operação brasileira da processadora americana Elavon, uma das maiores do mundo, decidiu criar dois modelos: é possível alugar a maquininha, como no sistema tradicional da Cielo e da Rede, ou comprá-la.

A PagSeguro já sofre com o aumento da concorrência. Depois de liderar o mercado de pagamentos online, com 60% de participação, a empresa perdeu espaço para a brasileira MundiPagg, que tem entre seus clientes as varejistas B2W e Ponto Frio, e para a holandesa Adyen, que opera com os aplicativos iFood e Uber e com o serviço de distribuição de filmes Netflix, por exemplo.

Como opera num segmento instável  por natureza, a PagSeguro tem de lidar com a rotatividade dos clientes — pequenos varejistas que quebram, taxistas que migram para o Uber, gente que desiste quando a maquininha quebra. Por isso, o modelo de negócios só se mantém de pé com fortes investimentos em marketing, necessários para atrair novos clientes e compensar os que se vão. Segundo executivos do setor, isso faz a margem de lucro da PagSeguro ser, necessariamente, muito menor do que a das grandes do setor.

Além do aumento da concorrência, outro risco para a PagSeguro é ver as empresas que são suas clientes crescer e precisar de outros serviços bancários, como crédito e seguro. Caso a abertura de capital saia, a PagSeguro terá mais dinheiro para fazer frente aos desafios de um mercado ainda bastante concentrado. Mas, desta vez, os concorrentes parecem estar mais atentos.

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