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19/12/2016 - Prazo menor a lojista desafia setor de cartões

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Por Flavia Lima e Felipe Marques | De São Paulo | Valor Econômico

Dentre as propostas do governo para possíveis mudanças no setor de cartões, a que estuda reduzir o prazo em que os lojistas recebem as vendas com cartão de crédito pode acabar provocando uma profunda reorganização na indústria brasileira de pagamentos eletrônicos.

Entre os efeitos colaterais da medida, estão possíveis aumentos das taxas cobradas de lojistas e de clientes e mesmo o fim de negócios que apostam em cartões sem tarifas e que não estão ligados a bancos, como o de algumas das financeiras de varejo - Renner, Riachuelo e Pernambucanas, por exemplo - e até do popular cartão Nubank.

O motivo dessa transformação é o custo financeiro gerado para o emissor dos cartões pela mudança de prazos. Hoje, o lojista recebe o valor das compras feitas no cartão de crédito quase 30 dias depois - praticamente casado com o prazo em que o cliente paga a fatura do cartão para o emissor, que pode ser até 40 dias depois da compra. No novo desenho, o banco pagará o lojista antes, mas continuará a receber só quando o cliente pagar a fatura, ficando com um descasamento que precisa ser financiado.

O quão antes esse pagamento será feito ao lojista ainda é um ponto em aberto nas discussões entre governo, bancos e lojistas. É certo, no entanto, que algum tipo de mudança será feita nesse sentido. Há propostas para que essa redução seja feita gradualmente, saindo de 30 para 25 dias até chegar posteriormente a 2 dias depois da venda. A decisão final deve ser tomada na semana que vem.

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, anunciou na quinta-feira passada a intenção de reduzir o prazo de pagamento aos lojistas e afirmou que dali a dez dias seria apresentado um desenho final. "Ou se reduz o prazo de repasse para o lojista, ou se reduz a taxa de juros [do rotativo]", disse. A leitura de executivos da indústria de cartões, porém, é que mudanças terão de ser entregues em ambas as frentes.

A sensação geral do setor é que as negociações com relação ao crédito rotativo do cartão são mais fáceis de se chegar a um acordo. Em um dos pontos sugeridos pelo mercado, sob concordância prévia do cliente, haveria a permissão para a troca da dívida no rotativo por outra mais barata a partir de determinado tempo de uso da linha.

Já o pagamento ao lojista é encarado como uma questão bem mais sensível. Segundo um executivo de uma grande instituição financeira, em um cenário em que os bancos passem a pagar antes para os lojistas, o custo financeiro será repassado ao consumidor e aos próprios lojistas. Nos grandes bancos de varejo, há vários canais para que isso seja feito. Eles incluem o aumento das anuidades cobradas, dos juros de parcelamento de faturas, das tarifas de aluguel das maquininhas e até um aumento das taxas cobradas a cada transação de cartão, a tarifa de intercâmbio.

Já nos emissores de cartões que não são ligados aos grandes bancos, os canais para repassar esse aumento de custos são mais escassos e as margens, menores. Cartões como o Nubank, por exemplo, tem crescido com o apelo de não cobrar tarifas dos clientes. Ao mesmo tempo, essas operações não têm a mesma capacidade dos grandes bancos de captar recursos a baixo custo para financiar o descasamento de prazos de pagamento.

Segundo uma fonte, o custo das linhas de crédito que teriam que ser tomadas para financiar esse descasamento pode, no limite, inviabilizar algumas dessas operações, em particular as que não cobram tarifa. No mínimo, teriam como efeito colateral deixá-las menos competitivas ante os grandes bancos, justamente em um momento em que algumas dessas empresas estão ganhando mercado.

Nas conversas que o setor de cartões conduz com o regulador fala-se em contrapartidas. A ideia, dizem os participantes de mercado, é trazer o modelo de negócios local para mais perto de modelos estrangeiros em todos os pontos. E isso incluiria, por exemplo, a introdução de juros, ainda que "baixinhos", no parcelado do cartão de crédito, diz uma fonte de um banco grande.

Entre os participantes de menor porte do mercado, a percepção é que o tiro do regulador pode sair pela culatra, com o desejo de baratear custos e promover o crescimento do consumo revertendo-se em mais concentração bancária e aumento de preço.

No varejo on-line, por exemplo, em que o uso do cartão tem participação relevante, o pagamento ao lojista em dois dias provavelmente elevaria o risco da operação, impondo mais cuidados na análise do crédito e das transações. "E o direito do lojista em receber o valor da compra antes de 30 dias pode até sair mais caro. Afinal, o regulador disse que é preciso receber mais cedo, mas não no mesmo custo", diz outra fonte do setor.

Na avaliação desses participantes menores, no limite, pressionadas a adotar algum tipo de mudança mais profunda exigida pelo regulador, as grandes instituições poderiam encarar o cenário adverso como uma oportunidade para afastar os pequenos do mercado, resguardadas pela enorme força que dispõem para recompor margens.

O sinal de alerta, contudo, é espraiado. As credenciadoras de cartões - as donas das maquininhas - também estão bastante apreensivas. No caso específico da Cielo, o pagamento à vista com cartão responde por cerca de 40% de toda a receita com antecipação de recebíveis ao lojista que, por sua vez, representa cerca de 25% do lucro da empresa. A Cielo informou ao Valor que ainda é cedo para comentar as medidas anunciadas e aguardará o desdobramento do assunto.

Segundo o Valor apurou, um dos responsáveis por levar a proposta de reduzir prazos de pagamentos a lojistas ao Ministério da Fazenda foi o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES). Na quarta-feira, ele defendeu a medida em almoço entre Meirelles e senadores do PSDB envolvidos na formulação de propostas microeconômicas anunciadas na semana passada.

Quem defende a medida afirma que ela vai liberar capital de giro para o varejo e diminuir a dependência de operações de adiantamento de recebíveis. Há também o argumento de que, fora do Brasil, os prazos de recebimento dos lojistas são menores. O setor de cartões responde hoje por cerca de 30% do consumo dos brasileiros.

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