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22/01/2016 - Eles ameaçam os bancos?

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Por Moacir Drska | IstoÉ Dinheiro

Em quinze anos de carreira nas áreas de cobrança e risco de grandes bancos de varejo, o executivo Paulo de Tarso, de 43 anos, guarda uma passagem em especial. Certa ocasião, em um evento para clientes inadimplentes no centro de São Paulo, ele se surpreendeu com a quantidade de pessoas interessadas em quitar suas dívidas. Curioso, o executivo questionou a muitos deles o porquê de enfrentarem a longa fila para zerarem seus débitos. A resposta? Era a única alternativa após diversas tentativas frustradas nos canais de atendimento.

Anos depois, esses diálogos serviram de inspiração para que Tarso fundasse a Kitado, startup de recuperação de crédito que aposta em um modelo totalmente automatizado e online. “Não tinha mais motivação para lidar com questões burocráticas internas nos bancos”, diz Tarso, que decidiu investir em uma plataforma para resolver esse problema. A Kitado é um dos exemplos do avanço das startups de serviços financeiros, também conhecidas como fintechs (do termo em inglês, tecnologia financeira). Com modelos de negócios disruptivos, elas vêm atraindo o apetite de fundos de investimento.

Só em 2014, captaram globalmente US$ 12,2 bilhões. No Brasil, estima-se que existam cerca de 400 empresas atuando nessa área e que elas devem receber aportes de R$ 500 milhões neste ano. Mas os fundos de venture capital não são os únicos interessados nessa onda. Os bancos também estão atentos para entender se a vertente é uma potencial ameaça aos seus negócios. “As fintechs estão tendo boa aceitação porque têm foco na experiência do usuário e não na venda de produtos”, diz Alexandre Lara, fundador da Clay Innovation, consultoria de inovação com foco no setor financeiro.

Estudos globais já estimam as possíveis perdas que os bancos tradicionais podem ter por conta da concorrência dessas novas startups. Mas para as fontes ouvidas pela DINHEIRO, ainda é cedo para entender o tamanho real dessa ameaça. O alerta está aceso para casos como a brasileira Nubank, fundada pelo empreendedor colombiano David Vélez, que oferece um cartão de crédito gerenciado por um aplicativo. Com mais de 700 mil cadastros, a startup acaba de receber um terceiro aporte, de US$ 52 milhões, que a avaliou em US$ 500 milhões.

“Existe um grupo com potencial real de morder parte das receitas do setor”, diz Tarso. “Mas há outras fintechs que vão dar um novo fôlego para os bancos.” Movimentos recentes indicam que os bancos não estão assistindo passivos a esse avanço. E, longe dos conflitos entre taxistas e Uber, a aproximação é a estratégia escolhida. Em 2014, por exemplo, o espanhol BBVA comprou, por US$ 117 milhões, a Simple, que centraliza diferentes contas em um único cartão. O conterrâneo Santander, por sua vez, criou um fundo no Reino Unido para colaborar e investir em novatas de tecnologia financeira.

No Brasil, o Bradesco criou o InovaBRA, programa que seleciona esse tipo de startups. O Itaú Unibanco lançou o Cubo, projeto de coworking para startups. A Kitado, de Tarso, é uma das empresas instaladas no espaço. Hoje, a carteira da empresa já inclui 10 instituições, entre elas o Banco Pan, e uma base de 3 milhões de devedores. A plataforma contabiliza 100 mil negociações desde que foi lançada, em junho de 2014. Fundada na mesma época, a QueroQuitar segue um modelo similar. A empresa criou uma plataforma online de negociação de dívida, sem interferência humana.

O devedor propõe em quais condições quer pagar o débito. Baseado em parâmetros pré-estabelecidos pela instituição financeira, os algoritmos do sistema aprovam ou não a negociação. O pagamento é feito diretamente ao banco. “O modelo tradicional prejudica a relação com o cliente, além de ser mais caro e menos efetivo”, diz Marc Lahoud, um dos fundadores da companhia. Após ser selecionada no InovaBRA, a QueroQuitar desenvolveu um piloto com 145 mil clientes do Bradesco. “As startups financeiras são muito mais oportunidades do que ameaças”, diz Maurício Minas, vice-presidente do Bradesco. “Não existe fintech que tenha uma oferta abrangente para concorrer com um banco.”

É fato que grande parte das fintechs atua em nichos como pagamentos e empréstimos. Mas já há casos em que elas estão saindo de seus “guetos”. Criado em 2012, o GuiaBolso unifica as transações de todas as contas e cartões do consumidor em um aplicativo para smartphones. A ideia é ajudá-lo a controlar seus gastos. “Somos uma espécie de Waze das finanças”, diz Benjamin Gleason, que fundou a empresa com Thiago Alvarez. Os dois empreendedores são ex-executivos da consultoria McKinsey & Co. O GuiaBolso atraiu mais de US$ 10 milhões de investimento de fundos como os americanos Ribbit Capital e Valor Capital.

Depois de conquistar 1,8 milhão de usuários, o plano agora é estender a sua oferta para a indicação de produtos financeiros, pelos quais vai cobrar uma taxa das instituições. Ex-executivo do banco Merril Lynch e fundador da Magnetis, Luciano Tavares aponta outro elemento que favorece a conexão entre bancos e fintechs: a alta regulação do setor. Em muitos casos, para prestar seu serviço, a novata precisa necessariamente se associar a uma instituição financeira. “Ao contrário de outros setores, o atrito tende a ser menor”, diz.

A Magnetis é uma plataforma de gestão de investimentos. O sistema sugere a carteira mais adequada ao investidor, ao analisar seu perfil de risco e mais de 15 mil produtos financeiros de corretoras parceiras. Com 10 mil usuários, as carteiras, em média, variam de R$ 50 mil a R$ 500 mil. O big data também é a base da Intoo, plataforma de antecipação de recebíveis para pequenas e médias empresas. O sistema analisa centenas de bancos de dados para classificar o risco e definir uma taxa de juros para cada cliente.

E conecta 45 mil companhias que buscam empréstimos com mais de 50 bancos, factorings e fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs). “A ideia é oferecer mais velocidade e acesso a menores taxas”, diz Bruno Maggi, cofundador da Intoo. Ameaça ou não, o avanço digital não está restrito às startups. Gigantes de tecnologia, como Apple e Google, apostam em carteira digital. O PayPal, pioneiro em pagamentos online, deve ampliar sua oferta para outras áreas, como a transferência digital de dinheiro – serviço que deve chegar ao Brasil no terceiro trimestre deste ano. Em breve, vai ser difícil diferenciar um banco de uma empresa de tecnologia.

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