Museu do Cartão de Crédito

12/01/2015 - Cadê o dinheiro vivo?

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João Varella | IstoÉ Dinheiro | Edição 898

Os futuristas de plantão vêm prevendo há anos que a popular carteira repleta de notas de dinheiro vivo é uma espécie tão ou mais ameaçada de extinção do que o mico-leão-dourado. É difícil de acreditar que isso acontecerá tão cedo. Mas uma nova geração de aplicativos para celulares que está sendo adotada em massa pelo público jovem é o primeiro grande indício de que as antigas cédulas de papel podem estar com os dias contados.

Ao contrário dos programas que foram desenvolvidos até pouco tempo atrás, as novas soluções usam o estilo das redes sociais, como Facebook, Twitter e WhatsApp, para tornar o ato de pagar mais fácil, rápido e, por que não, divertido – se é que alguém pode considerar uma diversão transferir seu rico dinheiro para outra pessoa. É uma espécie de pagamento móvel 2.0, que tem atraído investimentos de gigantes do setor de tecnologia, como Apple, eBay e Mercado Livre, de startups, como a americana Venmo e a sul-africana PayU, e até de bancos, como o Itaú.

Todos eles estão de olho em um mercado que já é bilionário e deve triplicar de tamanho nos próximos anos. Segundo a consultoria americana Gartner, as transações globais por smartphone somaram US$ 235 bilhões em 2014. A previsão é de que tripliquem de tamanho em três anos, alcançando US$ 720 bilhões. A consultoria francesa Capgemini estima que foram realizadas 29,2 bilhões de transações financeiras através de smartphones no ano passado. Desse total, 3,8 bilhões passaram por instituições não bancárias, como o Paypal, líder de pagamento online no mundo.

Os números ajudam a entender por que há tantas empresas interessadas em ganhar uma fatia desse mercado. De acordo com o AngelList, site que rastreia investimentos em empresas em estágios iniciais, há pelo menos 1.475 startups relacionadas a pagamentos móveis no mundo. “A paisagem está tumultuada e mudanças estão acontecendo muito rapidamente”, afirma Sucharita Mulpuru, vice-presidente da consultoria americana Forrester Research. “As estrelas de hoje podem ser as falidas de amanhã.” O caso mais ilustre de startup que está brilhando na nova era dos pagamentos móveis é o da Venmo, baseada em Nova York e fundada em 2009.

Em pouco tempo, virou uma febre entre os jovens americanos. “Venmo me”, que pode ser traduzido como mande dinheiro para mim, virou um verbo conjugado com frequência pela turma da chamada geração milênio, formada por gente nascida entre 1980 e 2000. O aplicativo não só transfere dinheiro de maneira rápida e sem burocracia como também registra todas as informações na “timeline” do usuário, de forma muito parecida com o Twitter. Desse modo, todos os seus amigos ficam sabendo do valor transferido, bem como a razão – é possível fazer as transações de forma privada, mas a maioria dos usuários quer compartilhar essas informações.

“A meta do Venmo é tornar o ato de mandar ou receber dinheiro muito mais fácil e simples”, disse Mike Vaughan, diretor-geral da empresa, à revista americana Time. Ao que tudo indica, a startup está alcançando esse propósito. No terceiro trimestre de 2014, único dado disponível, a empresa diz ter processado US$ 700 milhões em pagamentos, bem mais que os US$ 141 milhões registrados no mesmo período do ano anterior. O sucesso da Venmo não passou despercebido no mercado. Tanto que foi parar nas mãos do eBay – primeiro foi adquirido, em 2012, pela Braintree, que foi comprada pela plataforma de comércio eletrônico por US$ 800 milhões há dois anos.

O objetivo não declarado do eBay deve ser integrá-la à sua divisão de pagamentos online Paypal, que se tornará independente em 2015. Reforçada pela Venmo, a Paypal poderá concorrer em melhores condições com o ApplePay, da Apple, aplicativo que permite compras através do leitor de impressão digital de seus iPhones, por enquanto, um serviço exclusivo aos consumidores americanos. A compra da Venmo não é a única aposta da Paypal. A subsidiária do eBay joga também suas fichas no Paypal Check-In, que toma emprestado o conceito consagrado pela rede social nova-iorquina Foursquare de usar o GPS do celular para o usuário declarar aos amigos onde está.

Com esse aplicativo, após o cliente fazer um “check-in” no estabelecimento comercial, o vendedor é notificado com uma foto e informações do perfil do freguês. Além disso, a conta poderá ser paga por meio do aplicativo. “Um dos grandes objetivos do Check-In é permitir ao dono do estabelecimento voltar a chamar o cliente pelo nome, conhecer o seu hábito de consumo e até fazer uma ação de marketing direcionada”, afirma Paula Paschoal, diretora de desenvolvimento de negócios do Paypal no Brasil. A difusão do serviço no País, no entanto, ainda é vagarosa. Os testes começaram em dezembro de 2013, na rede de cafeterias Suplicy, em São Paulo.

Doze meses depois, a solução só havia sido implantada em outros dois restaurantes da capital paulista. “Neste ano, vamos acelerar a expansão”, afirma Paula. “Queremos estar presentes nas transações de baixos valores.” O MercadoLivre, que pode ser considerado uma rede social de compras, abriu sua solução de pagamento online, MercadoPago, para qualquer outra plataforma de e-commerce. Um aplicativo para celulares lançado em outubro do ano passado passou a permitir, dessa forma, que qualquer empresa ou pessoa possa usá-la para fazer transferências.

De acordo com Marcelo Coelho, presidente do MercadoPago, no Brasil, a tendência é que mais funcionalidades surjam, mas cada uma delas terá seu próprio aplicativo. “Adotamos o estilo do Facebook, que está lançando aplicativos específicos para cada uma das suas diversas ferramentas na rede social”, afirma Coelho. O PayU, que pertence à sul-africana Naspers, permite enviar solicitações de pagamentos pelas redes sociais. “É uma solução ainda pouco explorada pelas empresas, mas que tende a crescer muito”, afirma Marcos Marins, gerente-geral para o Brasil da PayU. “Com a solução, um perfil da empresa no Facebook, por exemplo, pode se transformar em um canal de venda.”

O QUE MUDA NOS NEGÓCIOS Por trás dessa movimentação das empresas de tecnologia se desenrola uma corrida para saber quem consegue conquistar os corações e as mentes dos usuários, o que pode virar de cabeça para baixo os negócios de diversas áreas. O varejo, por exemplo, teria de pensar em oferecer essa opção, caso seus clientes efetivamente deixem sua carteira de notas em casa. Gigantes americanas como Walmart, Best Buy e Sears já anunciaram uma aliança para desenvolver sua própria solução, batizada de CurrentC. A promessa é de que o aplicativo dará descontos e agilidade na hora de pagar.

O ApplePay chegou ao mercado com um time estrelado de parceiros, que inclui bandeiras de cartão de crédito, bancos e prestadoras de serviços de pagamentos eletrônicos e até grandes redes do varejo, como McDonald’s, Subway e o supermercado Whole Foods. A nova geração de aplicativos também traz riscos aos bancos, que podem ficar relegados à retaguarda e à manutenção da infraestrutura, deixando a interface com o usuário por conta da turma high-tech. Se isso, de fato, acontecer, até 30% da receita das instituições financeiras pode passar para as mãos das empresas do Vale do Silício, de acordo com uma estimativa da consultoria americana Accenture.

“Os bancos têm atributos inquestionáveis e hoje imbatíveis, como a credibilidade”, afirma Flaviano Faleiro, executivo de estratégia para a área de finanças da Accenture. “Mas, se não fizerem nada, isso pode mudar.” Fica fácil entender, então, por que o banco Itaú inspirou-se no aplicativo de mensagens WhatsApp, comprado pelo Facebook por US$ 22 bilhões, para criar o Tokpag. Lançado há um ano, o aplicativo permite aos usuários transferir desde pequenas até grandes quantias de dinheiro aos contatos do celular que se cadastraram no serviço – tanto de correntistas do Itaú como de outros bancos.

É uma operação tão simples quanto mandar uma mensagem pelo WhatsApp: basta selecionar o contato, informar o valor, digitar a senha e enviar uma mensagem. “Depois de usar o seus sites e aplicativos favoritos, o cliente quer ter o mesmo tipo de experiência com o banco”, afirma Ricardo Guerra, diretor de canais de atendimento, que diz que as empresas de tecnologia financeira estão se tornando grandes concorrentes dos bancos. “Lançamos um aplicativo que não fala ‘banquês’.” Abrir mão do dialeto banquês, portanto, é essencial para os bancos que ambicionam conquistar os consumidores da faixa etária entre 18 e 24 anos, que já nasceram em um contexto digital e estão mais abertos a usar uma companhia de fora do ramo financeiro para fazer operações financeiras.

O Itaú, assim como outros bancos no Brasil e no mundo, terá pela frente adversários formidáveis como a Apple, o Paypal, o MercadoLivre e o PayU. E, ao que tudo indica, a concorrência tende a ficar cada vez mais intensa. Discretamente, o Facebook, de Mark Zuckerberg, está formatando o lançamento de um serviço financeiro, aproveitando-se da força de seus mais de um bilhão de usuários na sua rede social (ele chegou a contratar um executivo do PayPal para a empreitada). O Snapchat, aplicativo criado por Evan Spiegel que envia fotos que desaparecem depois de alguns segundos e virou uma mania entre os jovens, entrou nessa área com o Snapcash.

Desenvolvido em parceria com a startup americana Square, que atua na área de meios de pagamento, o Snapcash permite o envio de pequenas somas de dinheiro entre os usuários – o dinheiro, em tese, não desaparece. “É muito fácil de usar, é a prova de iniciantes”, afirma Mary Ritti, vice-presidente de comunicações da empresa. “Estamos vendo amigos usando-o para dividir a conta em jantares e pais mandando dinheiro aos filhos para o cinema ou compra de livros.” Para uma nova geração de consumidores, a tradicional carteira de couro está virando uma peça de museu.

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